O TDAH afeta a inteligência de uma pessoa?

O TDAH afeta a inteligência de uma pessoa?

A inteligência dos indivíduos com TDAH não está diminuída, mas frequentemente subestimada. O baixo desempenho escolar observado em muitos casos decorre de dificuldades nas funções executivas, e não de menor QI


O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é uma das condições neuropsiquiátricas mais estudadas nas últimas décadas, afetando milhões de crianças, adolescentes e adultos em todo o mundo.

Ainda assim, muitos equívocos permanecem em torno de suas manifestações e, sobretudo, de suas implicações no desenvolvimento cognitivo dos indivíduos. Entre as dúvidas mais recorrentes, destaca-se uma questão central: o TDAH afeta a inteligência de uma pessoa?

Educadores e familiares frequentemente se deparam com o desafio de compreender se o desempenho acadêmico aquém do esperado está ligado a uma capacidade intelectual inferior ou às características específicas do TDAH.

Neste artigo, com base na psicoterapia baseada em evidências, analiso a relação entre o TDAH e os diferentes aspectos da inteligência, com foco nos efeitos sobre o desempenho cognitivo, acadêmico e funcional dos diagnosticados. A partir de experiências clínicas, dados científicos e orientações práticas, este texto oferece um panorama qualificado para quem convive com essa condição em contextos educacionais e familiares.


O que dizem as evidências sobre inteligência e TDAH?

Em primeiro lugar, é essencial compreender que inteligência não é sinônimo de desempenho escolar. O TDAH compromete a capacidade intelectual? Essa pergunta tem resposta clara: não há evidências científicas que indiquem que o TDAH reduza o quociente de inteligência (QI).

De fato, estudos demonstram que o QI médio de indivíduos com TDAH está dentro da média populacional (APA, 2013).

Contudo, é importante destacar que o impacto do TDAH nas funções cognitivas pode dificultar a expressão plena das habilidades intelectuais. Isso ocorre, por exemplo, devido à impulsividade, à dificuldade de manter a atenção e à baixa memória operacional, funções executivas frequentemente prejudicadas no TDAH (Barkley, 2006).

Em minha prática clínica, atendi um adolescente de 13 anos diagnosticado com TDAH e QI de 118. Seus professores acreditavam que ele tinha baixo rendimento por “falta de inteligência”. Após intervenções e ajustes pedagógicos, seu desempenho melhorou significativamente. Esse caso ilustra como o TDAH interfere na inteligência aparente, mas não na capacidade intelectual real.

Essa distinção é fundamental para evitar o erro de subestimar o potencial de um estudante com TDAH. Como destacou Willcutt et al. (2012), a relação entre TDAH e capacidade intelectual é mediada por variáveis cognitivas específicas, e não por um comprometimento global da inteligência.


Quais funções cognitivas são mais afetadas?

Para compreender a influência do TDAH sobre a inteligência, é necessário detalhar quais habilidades cognitivas estão mais envolvidas. Dentre elas, destacam-se:

Leia também:

  • Atenção sustentada;
  • Inibição comportamental;
  • Planejamento e organização;
  • Memória operacional.

A tabela a seguir resume essa relação:

Função cognitivaImpacto do TDAH
AtençãoBaixa sustentação, distraibilidade
InibiçãoImpulsividade, respostas precipitadas
Memória operacionalDificuldade para manipular informações
PlanejamentoDesorganização, dificuldades com tarefas longas

Essas dificuldades não significam menor inteligência. Pelo contrário, muitos pacientes com alta capacidade intelectual enfrentam grandes barreiras para demonstrá-la em avaliações formais ou situações escolares, gerando frustrações para eles e para seus familiares.

Mas como distinguir dificuldades atencionais de limitações cognitivas reais? A resposta está na avaliação psicológica multidimensional. Testes neuropsicológicos, como a Escala WISC-V, ajudam a separar as funções executivas do QI geral, permitindo um diagnóstico mais preciso e estratégias mais eficazes.

Além disso, as consequências cognitivas do TDAH variam conforme o tipo predominante (desatento, hiperativo/impulsivo ou combinado) e o contexto em que o indivíduo está inserido. Por isso, é crucial considerar o ambiente escolar, familiar e emocional na análise dos casos.


TDAH e altas habilidades: uma convivência possível?

Muitos se surpreendem ao saber que o TDAH pode coexistir com altas habilidades ou superdotação. Essa condição, chamada de “dupla excepcionalidade”, ainda é pouco reconhecida no Brasil, o que prejudica o desenvolvimento integral desses alunos.

Inteligência em indivíduos com TDAH não é homogênea. Há casos em que o indivíduo apresenta habilidades extraordinárias em matemática, linguagem ou artes, mas enfrenta dificuldades extremas em manter o foco ou concluir tarefas escolares simples.

No consultório, acompanhei uma menina de 10 anos com diagnóstico de TDAH e QI de 135. Sua professora a descrevia como “desatenta, dispersa e preguiçosa”. Após o diagnóstico correto e mudanças na rotina escolar, ela passou a liderar projetos de robótica e foi selecionada para um programa de talentos da rede pública.

Essa situação nos leva a refletir: quantas crianças com potencial elevado são rotuladas injustamente por causa do TDAH? É urgente que educadores aprendam a reconhecer sinais de talentos em meio aos sintomas do transtorno.

Portanto, ao analisar a conexão entre TDAH e desempenho intelectual, é fundamental não apenas identificar limitações, mas também valorizar e estimular as potencialidades presentes.


O papel das intervenções no desenvolvimento intelectual

Uma pergunta central entre pais e professores é: intervenções adequadas ajudam a expressar melhor o potencial intelectual de alguém com TDAH? A resposta, felizmente, é sim. A literatura baseada em evidências mostra que o acompanhamento psicológico, aliado a estratégias educacionais e, em alguns casos, ao uso de medicação, melhora o desempenho acadêmico de indivíduos com TDAH.

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Segundo o manual da Australian Psychological Society (2018), o uso de abordagens combinadas produz os melhores resultados, especialmente quando há foco em treino de habilidades sociais, reestruturação cognitiva e estratégias metacognitivas.

Além disso, a psicoeducação para professores e familiares é essencial. Compreender que o TDAH influencia o quociente de inteligência de forma indireta, através da mediação de processos cognitivos, muda completamente a forma de lidar com o transtorno.

Outro ponto importante é o uso de adaptações curriculares. Flexibilização de prazos, ambiente reduzido para provas, uso de recursos visuais e estratégias de reforço positivo fazem a diferença entre o fracasso e o sucesso escolar.

Para ilustrar, compartilho a história de um menino de 9 anos que, após mudanças simples no ambiente escolar e sessões semanais de terapia comportamental, passou de notas vermelhas para destaque na turma. Os efeitos do TDAH na inteligência não são determinantes: com suporte, eles podem ser minimizados.


Como educadores e familiares devem agir?

Ao longo deste artigo, mostrei que o vínculo entre TDAH e habilidades mentais não é uma sentença de limitação, mas um convite à adaptação e compreensão. Famílias e escolas são agentes centrais nessa transformação.

Algumas ações práticas podem ser adotadas:

  1. Evite rótulos pejorativos como “preguiçoso” ou “desatento demais”;
  2. Invista em avaliação qualificada para compreender o perfil cognitivo do aluno;
  3. Estabeleça rotinas claras e previsíveis, com reforços positivos;
  4. Ofereça pausas e atividades sensoriais durante períodos prolongados de atenção;
  5. Valorize os talentos do estudante, mesmo que estejam fora da grade curricular tradicional.

O TDAH afeta o QI? Não diretamente. Mas como o TDAH interfere na inteligência percebida depende de como o ambiente reage à neurodiversidade. Ao estimular empatia, informação e acolhimento, é possível reduzir os efeitos do TDAH na inteligência aparente e promover o florescimento do potencial real.


Palavras finais

Ao refletirmos sobre se o TDAH compromete a capacidade intelectual, chegamos à conclusão de que a inteligência dos indivíduos com o transtorno não está diminuída, mas frequentemente subestimada. O baixo desempenho escolar observado em muitos casos decorre de dificuldades nas funções executivas, e não de menor QI.

A influência do TDAH sobre a inteligência é indireta, mas significativa. Por isso, o diagnóstico correto, intervenções precoces e o envolvimento de educadores e familiares são fundamentais para garantir que o potencial cognitivo dos alunos com TDAH seja plenamente desenvolvido.

Por fim, a relação entre TDAH e capacidade intelectual deve ser sempre analisada sob a luz da ciência, do respeito à diversidade e do compromisso com o desenvolvimento humano integral. Só assim construiremos uma educação mais justa, inclusiva e eficaz.


Referências

  • AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-5. Porto Alegre: Artmed, 2014.
  • BARKLEY, R. A. Attention-deficit hyperactivity disorder: A handbook for diagnosis and treatment. New York: Guilford Press, 2006.
  • WILLCUTT, E. G. et al. Validity of DSM-IV attention deficit/hyperactivity disorder symptom dimensions and subtypes. Journal of Abnormal Psychology, v. 121, n. 4, p. 991–1010, 2012.
  • AUSTRALIAN PSYCHOLOGICAL SOCIETY. Evidence-based Psychological Interventions in the Treatment of Mental Disorders. 4. ed., 2018.
  • MOREIRA, M. B.; ARAÚJO, T. S. Prática Psicológica Baseada em Evidências: definição e exemplos. Brasília: Instituto Walden4, 2021.

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