A honestidade é um pilar central da psicoterapia, pois é por meio dela que o psicoterapeuta entende verdadeiramente o paciente e poderá ajudá-lo. No entanto, mentir para o psicoterapeuta, omitir informações na psicoterapia ou até fingir sentimentos durante as sessões são comportamentos mais comuns do que se imagina.
Estudos indicam que a grande maioria dos pacientes já não foi totalmente honesta em algum momento – um levantamento com 547 pacientes revelou que 93% admitiram ter mentido ao menos uma vez (Maioria mente na terapia; qual o problema disso e como se expressar melhor). Ou seja, ocultar verdades na psicoterapia é praticamente algo comum na prática clínica, a ponto de alguns especialistas afirmarem que isso é “inevitável” no contexto terapêutico (Honesty in therapy is the key to better mental health – The Crimson White).
Diante dessa realidade, surgem várias questões: por que as pessoas mentem em psicoterapia, quais as consequências dessas mentiras para o progresso e o diagnóstico, e o que tanto pacientes quanto profissionais podem fazer para promover a transparência?
Por que pacientes mentem ou omitem informações na psicoterapia?
Mentir ou omitir na terapia parece contraditório – afinal, o paciente buscou ajuda profissional – mas as razões por trás desse comportamento estão geralmente ligadas a emoções intensas de vergonha, medo e autoproteção.
Receio de julgamento ou constangimento
Muitos pacientes sentem vergonha de certos pensamentos, sentimentos ou ações e temem a avaliação negativa (Why Some People Lie in Therapy | TIME).
Em um estudo, 61% dos participantes afirmaram que o principal motivo para não serem sinceros com o psicoterapeuta era o embaraço ou vergonha em revelar algo íntimo. Isso leva os pacientes a dissimularem sentimentos em sessão, “fazer de conta” que estão melhor do que realmente estão ou evitar falar de assuntos delicados para não expor aquilo que os envergonha.
Como explicou Barry A. Farber (autor do livro “Segredos e mentiras em psicoterapia”), mesmo no ambiente confidencial da sessão as pessoas querem “mostrar seu melhor eu” e evitar colocar aspectos mais vulneráveis sob escrutínio de outra pessoa.
Medo das consequências
Alguns pacientes temem que, se contarem determinados fatos, “sofrerão represálias” terapêuticas ou consequências indesejáveis (Why Some People Lie in Therapy | TIME).
Por exemplo, alguém pode ocultar comportamentos de risco ou sintomas graves com receio de que o psicoterapeuta tome alguma atitude drástica, como encaminhá-lo para internação psiquiátrica involuntária ou notificar familiares. Esse medo aparece em relatos de pacientes que evitam mencionar ideação suicida ou uso de drogas, pois não querem perder autonomia ou enfrentar intervenções imediatas.
De fato, cerca de um terço dos clientes em psicoterapia admitem já ter mentido sobre seu uso de álcool ou drogas, e 21% já esconderam informações sobre seus hábitos alimentares (como transtornos alimentares) – áreas onde revelar a verdade levaria o psicoterapeuta a insistir em mudanças de comportamento ou tratamentos específicos.
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Nesses casos, a pessoa mente para evitar lidar com consequências que ainda não está pronta para enfrentar. Como exemplificou Farber, muitos pensam: “Se eu contar sobre esses comportamentos viciantes sérios, meu psicoterapeuta vai insistir que eu os abandone, e eu não quero fazer isso agora” (Why Some People Lie in Therapy | TIME).
Evitação de reviver dor ou trauma
Pacientes que passaram por experiências traumáticas frequentemente têm dificuldade em falar sobre elas. Às vezes preferem deturpar experiências ou minimizar o ocorrido, com medo de que trazer o trauma à tona os faça sofrer novamente (o chamado “retraumatização”).
Nesse contexto, a mentira ou omissão funciona como um mecanismo de defesa: ao não contar toda a verdade, o paciente acredita que está se protegendo de sentir outra vez a angústia intensa associada ao evento traumático.
Em alguns casos, a própria negação entra em jogo – o paciente minimiza seus problemas até para si mesmo, pois ainda não consegue aceitá-los plenamente. Nesses casos, a pessoa não “planeja” exatamente enganar o psicoterapeuta; ela pode genuinamente acreditar na versão atenuada que conta, por ainda estar lidando com o processo de reconhecer a gravidade da situação (por exemplo, alguém com dependência alcoólica que diz “eu bebo pouco”, quando na verdade consome quantidades altas, por não ter consciência plena do problema).
Razões interpessoais
Muitos pacientes querem ser queridos pelo psicoterapeuta e não desapontá-lo. Esse impulso de “querer agradar” leva a pequenas falsidades, como concordar com as interpretações do psicoterapeuta mesmo sem entendê-las, fingir que acha o tratamento eficaz quando está insatisfeito, ou dizer que seguiu as recomendações quando não o fez (Maioria mente na terapia; qual o problema disso e como se expressar melhor).
É uma forma de “people pleasing” (agradar pessoas) aplicada ao contexto psicoterapêutico: o paciente tem medo de que, se for totalmente honesto sobre suas falhas ou discordâncias, o psicoterapeuta possa desaprová-lo ou pensar mal dele.
A psicoterapeuta Amy Morin observa que muitos pacientes mentem para “permanecerem nas boas graças do psicoterapeuta”, pintando a si mesmos de forma mais positiva ou escondendo erros, por acharem que assim serão mais aceitos.
Da mesma forma, pacientes mentem dizendo que compreenderam e gostaram de uma técnica psicoterapêutica, quando na verdade não se sentiram à vontade com ela – tudo para não chatear o profissional ou parecer um “cliente difícil” (Maioria mente na terapia; qual o problema disso e como se expressar melhor).
Resumindo, os motivos para mentir na psicoterapia quase sempre derivam de medo, vergonha ou proteção emocional. Conforme identificado por pesquisadores, algumas das justificativas mais comuns dadas por pacientes incluem “queria ser educado e não aborrecer o psicoterapeuta”, “quis evitar desconforto ou constrangimento”, “não queria tocar em assuntos muito íntimos ou dolorosos”, “tive receio de ser tratado de forma diferente ou incompreendido” ou “temia consequências como ser encaminhado ao hospital”.
Em muitas ocasiões, o paciente está negando sua própria vulnerabilidade – ele mente ou omite não apenas para enganar, mas para se enganar temporariamente, evitando encarar algo doloroso sobre si. Importante frisar que tais mentiras geralmente não têm a intenção de manipular ou enganar de má-fé, e sim de proteger a si mesmo.
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Como pontua o psicólogo Matt Blanchard, a necessidade que o paicente sente de mentir “também é importante” e reveladora: indica pontos sensíveis que ele não consegue abordar abertamente (The power of lying | Inquirer). Em outras palavras, quando um paciente mente, essa própria mentira contém informações valiosas sobre seus medos, suas vergonhas e sobre o estágio de confiança em que a relação terapêutica se encontra.
Quão comum é mentir ou omitir na psicoterapia?
Dados de pesquisa deixam claro que mentir na psicoterapia é extremamente comum – quase a regra, não a exceção. Como mencionado, um estudo robusto conduzido por Farber e colegas na Universidade de Columbia com centenas de pacientes encontrou uma taxa de 93% de ocorrência de mentira consciente em psicoterapia.
Ou seja, praticamente nove em cada dez pacientes relataram já ter escondido a verdade, inventado ou distorcido alguma informação durante suas sessões. Outro achado desse mesmo projeto de pesquisa foi que 72,6% dos pacientes admitiram ter mentido sobre pelo menos um tópico relacionado à própria terapia ou à relação terapêutica ((PDF) Lying in psychotherapy: Why and what clients don’t tell their) – por exemplo, fingir que estavam satisfeitos com o psicoterapeuta ou com o andamento do tratamento, quando na realidade não estavam.
Esses números impressionantes demonstram que ocultar fatos na psicoterapia é um comportamento disseminado. Nas palavras de Farber, a desonestidade no contexto terapêutico “não é apenas comum, é onipresente” (Honesty in therapy is the key to better mental health – The Crimson White) – trata-se de um fenômeno praticamente universal da experiência do paciente.
Interessantemente, essa prevalência contrasta com a percepção de muitos profissionais. Os psicoterapeutas nem sempre conseguem imaginar o quão frequente é a mentira por parte dos pacientes.
Uma pesquisa sobre a perspectiva de psicoterapeutas indicou que eles tendem a subestimar significativamente a frequência com que são enganados em sessão (Dissertations / Theses: ‘Deception’ – Grafiati). Muitos acreditam que conseguem detectar a maioria das mentiras ou que seus pacientes “raramente” omitiriam algo importante, o que não condiz com os relatos anônimos dos próprios pacientes.
De fato, os psicoterapeutas participantes desse estudo mostraram-se excessivamente confiantes em sua habilidade de notar mentiras, baseando-se principalmente no conteúdo verbal fornecido pelos pacientes.
Na prática, porém, há uma discrepância: enquanto quase todos os pacientes admitem ter mentido, os psicoterapeutas costumam supor que isso ocorre bem menos. Essa diferença de percepção sugere que muitas mentiras passam despercebidas pelos profissionais, especialmente quando são pequenas omissões ou falsidades difíceis de verificar.
Também é importante definir o que entra nessa estatística de 93%: não se trata apenas de grandes invenções, mas também de omisão de detalhes, meias-verdades e “maquiagem” da realidade. Por exemplo, chegar numa sessão dizendo “tive uma semana ok” quando na verdade houve momentos de muita ansiedade que o paciente prefere não mencionar, é uma forma de não dizer toda a verdade.
Ou dizer que seguiu todas as recomendações passadas, quando seguiu apenas algumas. Até mesmo responder “acho que entendi, sim” para não pedir esclarecimento adicional pode ser visto como um pequeno ato de inautenticidade.
Essas pequenas distorções entram no cálculo – ou seja, praticamente todos os pacientes já fizeram algum grau de encobrimento ou fingimento durante o processo.
Em suma, é extremamente comum que pacientes mintam ou omitam informações na psicoterapia, seja por insegurança, vergonha ou outros motivos já explorados. Esse conhecimento, embora seja desconfortável, é importante para normalizar a situação e então enfrentá-la: tanto pacientes quanto psicoterapeutas devem partir do reconhecimento de que “sim, isso acontece muito” e, a partir daí, buscar formas de reduzir a necessidade de mentir e minimizar seus efeitos negativos.
O psicoterapeuta consegue perceber quando o paciente está mentindo?
Essa é uma pergunta natural diante dos dados anteriores: se tantos pacientes mentem, os psicoterapeutas conseguem detectar essas mentiras ou costumam “comprar” as histórias contadas? A resposta é complexa.
Psicoterapeutas experientes desenvolvem uma sensibilidade para notar inconsistências sutis e sinais não-verbais de desconforto, o que às vezes indica que o paciente não está sendo totalmente franco. Linguagem corporal tensa, evasão de contato visual ao falar de certo assunto, mudanças abruptas de tópico ou relatos que variam de uma sessão para outra podem levantar suspeitas.
Alguns clínicos relatam que “sentem” quando algo não encaixa – por exemplo, o paciente diz que “está tudo bem” mas sua expressão facial ou tom de voz indicam o contrário. Entretanto, não existe um “detector de mentiras” infalível nas mãos do psicoterapeuta. A habilidade de perceber a mentira varia de profissional para profissional e de caso a caso, e muitas mentiras passam despercebidas.
Conforme mencionado, pesquisas sugerem que os psicoterapeutas frequentemente não percebem a totalidade das falsidades que ocorrem nas sessões. Naquele estudo de 2016, verificou-se que eles subestimavam a frequência de enganação por parte dos pacientes.
Muitos confiavam quase inteiramente na informação verbal dada pelo paciente e se diziam confiantes de que notariam se estivessem sendo enganados. Essa confiança, porém, é ilusória. A literatura sobre detecção de mentira mostra que, no geral, os seres humanos não são muito precisos em diferenciar verdades de mentiras apenas pelo comportamento – mesmo profissionais treinados tendem a acertar pouco mais de 50% dos casos, praticamente o nível do acaso.
Ou seja, o psicoterapeuta nem sempre consegue perceber a mentira, especialmente se o paciente for habilidoso em mascarar e se as mentiras forem consistentes dentro da narrativa apresentada.
Adicionalmente, psicoterapeutas partem do princípio da confiança básica no paciente. A relação terapêutica se baseia em confiança mútua, então ele não assume desde o início que o paciente está mentindo – ao contrário, ele cria um ambiente acolhedor para que não haja motivo para mentir.
Quando pequenas inverdades ocorrem, muitos psicoterapeutas optam por não confrontarem agressivamente. Se a mentira não compromete imediatamente a segurança do paciente, o psicoterapeuta escolhe tolerar certa incongruência por um tempo, trabalhando gradualmente para que o paciente se sinta confortável em revelar a verdade.
Por exemplo, se um paciente diz que “não está usando drogas” mas o psicoterapeuta suspeita do contrário, em vez de acusá-lo diretamente, pode perguntar de forma empática se tem sido difícil ficar longe das substâncias, ou reiterar que “mesmo que você tenha uma recaída, podemos trabalhar isso, não estou aqui para julgá-lo”. Essa estratégia sutil muitas vezes encoraja o paciente a ser sincero sem que seja necessário “desmascará-lo” frontalmente.
Claro que há situações em que a mentira é mais explícita e o psicoterapeuta percebe claramente. Alguns sinais de alerta incluem: histórias que mudam a cada relato, detalhes que não batem, contradições entre o que o paciente diz e informações obtidas de outras fontes (por exemplo, um familiar ou relatório médico, quando aplicável), ou reações exageradas de defensividade quando o psicoterapeuta faz perguntas exploratórias – por exemplo, o paciente fica extremamente irritado ou ansioso quando se toca em determinado assunto, indicando que há um segredo ali.
Ainda assim, mesmo quando o psicoterapeuta suspeita fortemente de uma mentira, ele geralmente buscará maneiras clínicas de abordar o tema sem rompimento da aliança. É comum ele “ler nas entrelinhas” e voltar ao assunto de diferentes modos para dar chances ao paciente de contar no seu próprio tempo.
Portanto, a capacidade do psicoterapeuta perceber mentiras é limitada. Muitas omissões passam sem ser notadas e, mesmo quando há suspeita, o profissional pode deliberadamente não reagir de imediato, priorizando a criação de um espaço seguro que eventualmente possibilite a verdade vir à tona.
Deve-se lembrar que o objetivo não é “pegar o paciente na mentira” como um policial interrogando, mas sim entender o que levou àquela mentira e ajudar o cliente a sentir-se capaz de ser honesto. Inclusive, vários psicoterapeutas relatam que, quando um paciente finalmente admite algo que vinha escondendo, isso é aproveitado como um momento importante para discutir a dificuldade de ter sido sincero, ao invés de virar um motivo de bronca.
Em suma, o psicoterapeuta nem sempre percebe que está sendo enganado e, quando percebe ou suspeita, tende a lidar com muito tato – investigando a situação de forma colaborativa, em vez de punitiva.
Quais as consequências de mentir ou fingir durante a psicoterapia?
Mentir para o psicoterapeuta ou omitir dados relevantes traz diversas consequências negativas, tanto para o paciente quanto para o processo terapêutico em si. A premissa básica é simples: se o psicoterapeuta está trabalhando com informações incompletas ou distorcidas, o plano de tratamento e as intervenções propostas podem não ser adequados à realidade do paciente.
Prejuízos no diagnóstico clínico
A avaliação diagnóstica em saúde mental baseia-se sobretudo na entrevista clínica e nos relatos do paciente, complementados por eventuais testes ou informações de terceiros. Se o paciente esconde sintomas ou fornece um histórico impreciso, o psicoterapeuta (ou psiquiatra) poderá chegar a um diagnóstico equivocado ou deixar de diagnosticar algo importante.
A mentira em si não é um transtorno (a não ser em casos específicos, como o transtorno factício), mas alerta para condições como simulação (malingering) – quando o indivíduo falsifica problemas visando ganho externo, como evitar trabalho ou conseguir benefício – e transtorno factício – quando a pessoa provoca ou inventa sintomas por uma necessidade psicológica interna de assumir o papel de doente (Malingering – StatPearls – NCBI Bookshelf) (Factitious Disorder – StatPearls – NCBI Bookshelf).
Nesses casos extremos, a própria mentira faz parte da psicopatologia, tornando o manejo muito complexo. Embora a maioria das mentiras em psicoterapia não chegue a esse nível patológico, qualquer omissão relevante prejudicará a acurácia clínica.
Escolha inadequada de intervenções
Muitas decisões psicoterapêuticas – como qual abordagem seguir, que técnicas empregar, quais objetivos estabelecer – dependem do entendimento que o psicoterapeuta tem da situação do paciente. Se esse entendimento está baseado em informações incorretas, ele pode escolher um foco de trabalho que não ataca o problema real.
Quando o paciente não é transparente, o tratamento pode “andar em círculos” ou seguir por um caminho menos eficaz. Há relatos de pacientes que, por esconderem fatos, sentiram que a terapia não os ajudava – afinal, como resolver um problema que não é trazido à mesa? Muitas vezes, isso resulta em atraso na melhora ou em benefícios aquém do potencial.
Enfraquecimento da aliança terapêutica
A aliança terapêutica – vínculo de confiança e colaboração entre paciente e psicoterapeuta – é um dos principais fatores de sucesso, de acordo com numerosos estudos. A mentira afeta diretamente essa aliança.
Inicialmente, enquanto o psicoterapeuta não sabe da falsidade, a relação pode parecer intacta; porém, do lado do paciente, há uma barreira se formando. Manter segredos ou sustentar uma fachada impede o estabelecimento de uma conexão genuína. O paciente, lá no fundo, sabe que o profissional está interagindo com uma “versão editada” dele, e isso gera sentimentos de culpa e afastamento.
Ele pode pensar: “Se meu psicoterapeuta realmente me conhecer, não gostará de mim”, o que mina a confiança. Por outro lado, se a mentira é descoberta (ou o paciente acaba confessando), pode ocorrer um rompimento de confiança temporário.
O profissional pode sentir-se enganado, e o paciente envergonhado; ambos precisarão trabalhar para reparar a relação. A literatura indica que a maioria dos psicoterapeutas, ao perceber uma mentira, acredita que isso impacta negativamente a relação terapêutica – é como uma fissura que precisa ser consertada para que o trabalho continue.
Resultados psicoterapêuticos piores
Não surpreende que estudos encontrem associação entre a desonestidade do paciente e piores resultados percebidos na psicoterapia.
Ou seja, pacientes que mentiam mais tendiam a avaliar a qualidade da relação com o terapeuta como menor e sentiam menos melhora ao longo do tratamento. A falta de confiança e conexão genuína media o efeito negativo da mentira no progresso ([PDF] Client deception in therapy is associated with worse therapeutic relationships and perceived therapeutic outcomes | CiteDrive).
Faz sentido: se não há abertura, o psicoterapeuta não pode atuar efetivamente nos verdadeiros problemas, e o paciente não vivencia plenamente a experiência de aceitação e compreensão que o tratamento proporciona quando há transparência.
Em última instância, enganar o psicoterapeuta é “dar um tiro no pé” do próprio paciente, pois significa que ele não aproveitará o máximo que o tratamento pode oferecer. Como colocou a psicanalista Susan Kolod, “se você está censurando sua experiência, o psicoterapeuta não pode te ajudar” (Why Some People Lie in Therapy | TIME) – a ajuda estará direcionada a uma fachada, e não à pessoa real.
Manutenção de padrões negativos e sentimentos de culpa
Para o próprio paciente, mentir repetidamente na terapia pode reforçar um padrão pessoal de evitamento. Ao invés de confrontar a fonte da vergonha ou do medo, ele perpetua a esquiva através da mentira – e assim demorará mais para superar aquela questão.
Além disso, conforme mencionado, muitos pacientes relatam sentirem-se culpados por não serem honestos com alguém que está tentando ajudá-los. Essa culpa se somará aos problemas já existentes, alimentando sentimentos de inadequação (“nem na psicoterapia consigo ser verdadeiro, sou um fracasso”).
A mentira, então, entra em um ciclo: a pessoa mente para evitar vergonha, depois se sente culpada ou com vergonha por ter mentido. Essa dinâmica emocional negativa atrapalha o andamento das sessões, fazendo o paciente ficar mais na defensiva ou evitar aprofundar vínculo com medo de ser “desmascarado”.
Palavras finais
Como palavra final, é importante normalizar que mentir na psicoterapia é comum, mas não precisa continuar para sempre. É possível sim quebrar esse padrão.
Psicoterapia não é confessionário nem julgamento; é um local de crescimento. Quando paciente e psicoterapeuta se encontram genuínos – com um trazendo sua verdade e o outro oferecendo compreensão e guia profissional – ocorre uma espécie de “sintonia fina” que potencializa as intervenções e libera o caminho para mudanças significativas.
A transparência alimenta a confiança, e a confiança alimenta a mudança. Nas palavras dos especialistas Farber e Kolod, abrir-se plenamente na psicoterapia é um processo de cura em si mesmo, que possibilita não apenas superar problemas atuais, mas também construir habilidades relacionais e emocionais para a vida toda (Why Some People Lie in Therapy | TIME).
Em última instância, a verdade que libertará você também é a que fará da psicoterapia uma ferramenta verdadeiramente transformadora.
Referências:
- CARSON-ARENAS, A. The power of lying. 2020. Disponível em: https://lifestyle.inquirer.net/375480/the-power-of-lying/. Acesso em: 23 mar. 2025.
- DOLL, S. Therapists’ Perceptions of Deception in Psychotherapy. Tese (Doutorado em Psicologia) – Columbia University, Nova York, 2016.
- EMBODIED COUNSELING BLOG. What to do when clients lie in therapy. 2024. Disponível em: . Acesso em: 23 mar. 2025.
- FARBER, B. A.; BLANCHARD, M.; LOVE, M. Secrets and lies in psychotherapy. Washington: American Psychological Association, 2019.
- HART, C. et al. Client deception in therapy is associated with worse therapeutic relationships and outcomes. Counselling and Psychotherapy Research, v. 23, n. 1, p. 67-75, 2023.
- JALILI, C. Why some people lie to their therapists. Time Magazine, 17 dez. 2019. Disponível em: . Acesso em: 23 mar. 2025.
- KIM, S. Y. et al. Malingering. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island: StatPearls Publishing, 2024. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK507837/. Acesso em: 23 mar. 2025.
- KOLOD, S. Honesty in therapy is key to its success. The Crimson White, 2022. Disponível em: . Acesso em: 23 mar. 2025.
- MERCKELBACH, H.; DANDACHI-FITZGERALD, B. Factitious Disorder. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island: StatPearls Publishing, 2024. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK532953/. Acesso em: 23 mar. 2025.
- UOL VIVABEM. Maioria mente na terapia; qual o problema? Portal UOL, São Paulo, 15 jan. 2024. Disponível em: . Acesso em: 23 mar. 2025.
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